domingo, 8 de abril de 2018

GEOFF EMERICK NO BRASIL

Fonte: oglobo.globo.com – Por Luccas Oliveira
O sistema de som da Grande Sala da Cidade das Artes, na Barra, toca “The end”, faixa que encerra “Abbey Road”, 11º álbum dos Beatles. Geoff Emerick, 72 anos, fecha os olhos, sente a melodia e, com os pés, acompanha o bumbo acelerado de Ringo Starr. Foi ele que, em 1969, como engenheiro de estúdio, gravou aquela bateria — reza a lenda que o disco quase se chamou “Everest” por conta da marca de cigarros favorita de Emerick, mas John, Paul, Ringo e George acabaram se negando a fazer a sessão de fotos no Himalaia. Uma das principais atrações do Rio2C, evento de indústria criativa realizado esta semana, no Rio, o inglês foi tratado como estrela até mesmo por seus pares: o americano Ed Cherney (de trabalhos com Rolling Stones, Eric Clapton, Bob Dylan e Iggy Pop) e o brasileiro radicado nos EUA Moogie Canazio (Tom Jobim, Gilberto Gil, Caetano Veloso), assim como o mediador Zé Ricardo, exaltaram diversas vezes a importância do trabalho de Emerick durante a mesa que compartilharam no evento, quarta-feira, sobre técnicas de gravação. — Se não fosse por Geoff, nós não seríamos nada. Ele é um pioneiro, e estamos todos apoiados no ombro dele, até hoje — derreteu-se Cherney. Com um humor típico inglês e certa timidez, Emerick tentava evitar a bajulação. Sempre que possível, o autor da biografia “Here, there and everywhere — Minha vida gravando os Beatles” (2006) contava algum caso sobre o Fab Four, seja sobre a liderança de Paul McCartney no estúdio ou a importância do fechado Ringo Starr (“quando Ringo levantava e botava seu casaco, todo mundo respeitava e entendia que a sessão do dia estava finalizada”). — Naquela época, nós não sabíamos que estávamos mudando a História da música, mas, sim, que criávamos algo especial. Principalmente em “Revolver”, em que revolucionamos as técnicas de gravação da época (como no uso de loops e efeitos de microfone na psicodélica “Tomorrow never knows”), mas também em “Sgt. Pepper’s”. Lembro como se fosse ontem da sensação que tivemos quando terminamos de gravar “A day in the life”, com aquela orquestra linda, todos os instrumentos soando perfeitamente. Ninguém acreditava naquilo— relembrou, em papo com o GLOBO, o inglês que assumiu a função de engenheiro-chefe da banda exatamente em “Revolver” (1966). Depois da separação dos Beatles, em 1970, Emerick seguiu trabalhando na carreira solo de McCartney, e acumulou projetos de Elvis Costello, Art Garfunkel, Jeff Beck, America, The Zombies, entre outros. Hoje, morando em Los Angeles, dá palestras e cursos em universidades americanas e toca um ou outro projeto em estúdios — como a homenagem aos 40 anos de “Sgt. Pepper’s”, em 2007, em que artistas contemporâneos (Oasis e Killers, entre outros) regravaram faixas do álbum com o equipamento original. Emerick é, aliás, um grande crítico dos novos métodos de gravação digitais, de plug-ins, de programas como o pro tools. Ele chegou a chamar as músicas que resultam de tais técnicas de “som de alienígena”. — Veja bem, eu nasci na época do analógico, cresci assim. Foi o amor pela música que me fez, aos 7 anos, decidir que queria estar envolvido, de alguma forma, em fazer música. Nunca teve a ver com as tecnicalidades do processo. Eu só queria criar. Os artistas ensaiavam antes de entrar no estúdio, sabiam que as fitas e rolos custavam dinheiro. E os pequenos erros que entravam na versão final mostravam que era algo orgânico que foi criado. Quando o digital virou algo grande, eu pude detectar as diferenças no som, sinto que algo está faltando. Os cérebros passaram a decodificar números. A música deixou a ser orgânica e passou a ser processada — afirmou. Emerick criticou, ainda, os novos profissionais de estúdio. Segundo ele, “muitos técnicos hoje estão mais preocupados em olhar para telas e não ouvem a música em que estão trabalhando”: — O trabalho, muitas vezes, se resume a cores numa tela. Levamos muito tempo para conseguir gravar e ouvir música da melhor maneira, e isso tem sido deixado de lado. Aí as bandas ficam preguiçosas. Por exemplo, se uma banda vai começar a gravar uma guitarra e ela acaba não soando tão bem quanto foi planejado. Em vez de sentar, repensar a música ou aquele riff, usar a criatividade, eles usam plug-ins que simulam como aquela guitarra deveria soar. Não estão criando nada, estão apenas apertando botões. Acostumado a ver grupos como os Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd, Led Zeppelin ou mesmo artistas como Bob Dylan, Eric Clapton e Michael Jackson dominando as paradas de sucesso pelo mundo, o inglês associa diretamente as mudanças na indústria e nas técnicas de gravação a uma pobreza técnica da música pop atual, que vem tornando-se cada vez mais eletrônica. — Você pode dizer que as crianças de hoje em dia, na era do MP3 e, principalmente, do streaming, nunca ouviram músicas em boa qualidade, e muitas não ouviram músicas de boa qualidade. Ainda existem alguns grandes compositores por aí, claro, mas com a situação atual das gravadoras, eles não ganham a exposição que deveriam. Perde-se, cada vez mais, a importância da canção. Hoje, você liga o rádio pop e toda as músicas têm a mesma melodia, porque foram criadas através dos mesmos programas, dos mesmos plug-ins. Isso é ruim para todo mundo — lamenta.

Um comentário:

Dani disse...

Ele é um gênio! A palestra dele deveria ser aula obrigatória para profissionais de estúdio. Sou a favor das novas tecnologias quando bem utilizadas para aprimorar o trabalho. Mas muita gente usa e abusa para disfarçar a falta de talento de "músicos" ruins e hoje qualquer um aperta alguns botões, programa algumas melodias num computador e se acha produtor musical. Se nós pobres mortais já percebemos a pobreza da música pop atual em relação à de épocas passadas, imagina um profissional como ele.